A Chegada

Descontraindo em um bate papo com Aliens

Spoilers Pesados
Por Hanz Chucrute
07/05/2024
Filme de 2016 dirigido por Denis Villeneuve, elenco composto por Amy Adams (Louise Banks), Jeremy Renner (Ian Donnelly), Forest Whitaker (Coronel Weber), Michael Stuhlbarg (Agente Halpern), Tzi Ma (General Shang), Abigail Pniowsky (Hannah) e outros.

A Chegada não é um filme convencional sobre a visita de alienígenas ao planeta terra e vai bem além dos clichês do gênero. O filme não trata de uma invasão, abduções ou de um contato estimulado pela curiosidade científica, mas então o que ele é? Ele aborda muitos dos diferentes aspectos da natureza humana. Calma, vamos entender. O filme começa com a aparição de diferentes naves espaciais em determinados pontos do planeta. Estas naves gigantescas em formato de concha não realizam qualquer tipo de contato ou movimentação hostil, mas sua mera presença inicia, como era de se esperar, uma onda de pânico em redor de todos os continentes.

A Dra. Louise Banks, renomada especialista em linguística, é convocada para trabalhar junto ao exército norte-americano para entrar em contato com os alienígenas em uma equipe comandada pelo Coronel Weber. Louise, ao ser conduzida ao acampamento militar conhece o matemático Ian Donnely. Ian é de certa maneira um oposto à Louise, enquanto ele pende para o raciocínio mais lógico, Louise tem uma visão mais abstrata e humana de ver o mundo. E ao contrário da exploração de um óbvio conflito de visões, o filme embarca em uma abordagem mais inteligente: eles desenvolvem uma relação de complementação de suas habilidades profissionais e pessoais. O desafio de Louise e Ian é estabelecer o contato com alienígenas e utilizarem suas habilidades para se comunicarem inequivocamente e determinarem a resposta que os militares querem saber: qual o seu propósito na terra?

Se estabelecer uma comunicação exata entre pessoas que falam diferentes línguas, sem nenhum vocabulário em comum, é um desafio trabalhoso; fazer o mesmo com uma espécie alienígena é algo que vai levar Louise muito mais a fundo. Após algumas interações básicas os cientistas passam para um ponto importante, a comunicação gráfica. O sistema de escrita dos alienígenas é circular, realizado simultaneamente do "início para o fim" e do "fim para o início", suas frases completas são "imediatas", ao contrário da formação humana, linear e progressiva. Enquanto Ian e seus colegas trabalham no mapeamento da grafia dos símbolos, Louise deve descobrir novas formas de raciocínio e expressão para compreender os aliens e isso é algo que pode requerer uma reprogramação mental, uma literal mudança da forma de pensar e compreender as coisas, incluindo a recalibração dos seus referenciais. Louise e Ian prosseguem seu contato cotidiano com dois alienígenas, administrando a pressão das forças militares obcecadas por respostas e de uma possível ameaça sobre o futuro da existência da humanidade - e tudo isso agravado por uma corrida entre diversos países para obter algo dos visitantes. Louise segue dominando seus medos, sua exaustão e alterna seu trabalho com flashes de sua filha Hannah, dos seus momentos mais felizes até o triste fim da vida dela, vitimada por uma doença ainda muito jovem. E neste ponto o filme levou o interesse do público não somente sobre a intenção dos aliens, mas da jornada intra pessoal de Louise e sua relação com a intolerância, irracionalidade e o medo que pairam ao seu redor.

O andamento do contato entre humanos e alienígenas tem uma virada quando o líder chinês, que tem grande incidência sobre muitos países, declara oficialmente os alienígenas como inimigos, gerando o aprofundamento da crise mundial a ponto de se pensar em um conflito bélico. Essa virada faz com que a colaboração e troca de informações científicas e descobertas entre os diversos países seja cessada. Nesse ponto as questões do filme passam a ser respondidas, a percepção de Louise se aguça para o que está acontecendo. O que o público pensava serem memórias de Louise na verdade eram flashes do futuro; o contato e seus esforços de comunicação com os alienígenas geraram uma recalibração de seus referenciais temporais, de início e fim, de modo que ela não estava mais presa ao que viveu, ela tinha vislumbres de sua vivência futura - assim como os próprios aliens. Em suma, essa "habilidade" e sua revelação muda os rumos das relações entre os próprios humanos e, claro, com os aliens, que entraram em contato com a terra não para invadir ou conquistar, mas para obter a ajuda dos humanos em um futuro distante. Claro que essa virada convida o público a realizar diversos questionamentos, sobre a relação de livre arbítrio, escolhas e predeterminação dos fatos, sem se falar em uma revisão do próprio filme e a forma como enxergá-lo.

A Chegada tem uma grande execução. Traz uma inédita e inusitada abordagem da importância da linguística, dos desafios de uma comunicação inequívoca, e que esse processo é resultado de um complexo sistema que demanda da nossa mente mais do que podemos perceber inicialmente. E faz tudo isso de maneira a manter o público interessado. Em suma, o filme Denis tem ritmo excelente, boa fotografia, boas atuações, e tem uma trama inteligente que vai além da obviedade. Para quem gosta do gênero da ficção científica ele passa a ser obrigatório de ser visto. Eu o coloco como um dos melhores filmes que vi não apenas do gênero, mas nos últimos anos.

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