Pobres Criaturas

Escorrendo pelo ralo da ruindade sem muito esforço

Spoilers Pesados
Por Hanz Chucrute
19/05/2024
Pobres Criaturas (Poor Things, 2023) é um filme dirigido por Yorgos Lanthimos baseado no livro de mesmo nome escrito por Alasdair Gray e que conta com Emma Stone (Bella Baxter), Mark Ruffalo (Duncan Wedderburn), Willem Dafoe (Dr. Godwin Baxter), entre outros.

Já de cara: entre vários problemas, o pior de Pobres Criaturas é a premissa do que ele é ou deseja ser. Acompanharemos a jornada de Bella Baxter, protagonista do filme que pode ser descrita como uma criatura à moda "Frankenstein", só que numa versão mais moderninha. Além disso, o longa, se visto com mais atenção, revela camadas subjacentes com significados pretensamente diferenciados. Na humilde opinião deste que vos escreve o filme acaba não se desenvolvendo bem nem na sua linha principal, nem na(s) subjacente(s). Nesse “dilema” o filme morre por não ser uma coisa, nem outra; meio pau, meio tijolo; ou muito menos nenhum destes.

Após suicidar-se grávida, Bella é encontrada e revivida pelo Dr. Godwin. O cérebro do bebê da jovem é então transplantado para o corpo da mãe que é então reanimada em um experimento científico um tanto fantasioso. O doutor GOD WIN(!) é o deus de um pequeno paraíso de experimentos em sua casa/laboratório, um lugar que possui um clima meio onírico, meio vitoriano; Bella é o ápice de uma concepção neste ar meio bizarro, meio racionalista, meio paternal; meio pau, meio tijolo.

A personagem de Emma Stone é basicamente um bebê em um corpo adulto e, como qualquer criança, ela transborda energia e é sedenta em conhecer além das paredes do seu lar-presídio. Logo ela é descoberta por Duncan, um malandro que fareja a oportunidade de tirar proveito da situação de alguma forma. Ele observa com interesse a ingênua jovem garota de comportamento único e sem pudor - Bella está fascinada pela descoberta de sua sexualidade.

Duncan nem precisa exercitar muito a sua lábia para atrair Bella e oferece o que ela mais quer, uma aventura para conhecer o mundo que, claro, é apenas um pretexto para colocar seu plano em execução que é se relacionar sexualmente de todas as maneiras possíveis com a jovem. Aí já surge um sinal de alerta já que, embora tenha um corpo adulto, Bella é uma criança.... Claro que o filme passa batido por este grave ponto e segue nessa linha sem pudor algum.

E se as coisas estava nubladas, nesse ponto tudo começa a desandar rapidamente. Claro que Ducan, sem poder ser mais idiota, não imaginou que Bella, por mais que se interessasse por ele, eventualmente se cansaria dele e do sexo e voltaria ao seu interesse original: explorar o mundo. Logo ele se revela um malandro apaixonado. E foi nesse ponto que me perguntei, como esse asno, que supostamente é um malandro/golpista experiente e de “sucesso” pode ser ao mesmo tempo tão idiota? Ele se resume em ser um chorão bunda mole que acaba recebendo conselhos e lições de vida por parte de... Bella.

E assim, na sua jornada de crescimento e de experiência, Bella recebe conselhos, "lições" filosóficas, sociológicas das figuras que passam por sua vida. Estas lições são apresentadas de maneira tão rasas quanto uma palestrinha colegial expositiva. Confesso que achei a abordagem tão ruim a ponto de me despertar um sentimento de vergonha alheia pelos roteiristas, diretor, autor do livro, produtor ou qualquer um que tenha colocado esse tom no filme.

Eventualmente Bella, agora sozinha, encontra na prostituição sua forma de sustento e de contato com os mais diversos tipos humanos. A parte ruim é que essa experiência é tratada com uma insensibilidade robótica. Não há qualquer consequência maior no campo emocional em Bella por fazer sexo com homens repugnantes e brutos, é como se tudo isso fosse absorvido e racionalizado como uma experiência banal do dia a dia. E como se viver essa rotina degradante fosse uma barbada, Bella ainda solta uma piadinha "super inteligente": “possuo meus próprios meios de produção”. E ela diz isso porque os programas dela rendem dinheiro suficiente para que ela e sua nova amante, também prostituta, frequentem a escola de medicina! Nesse momento confesso que me perguntei, "isso não faz sentido... será que eu dormi, perdi alguma coisa? Como ela aprendeu a ler e escrever de maneira proficiente o suficiente para estudar uma matéria complexa?" Não faz sentido. No fim das contas, a jornada de Bella, que poderia ser um mergulho fascinante na vida, se perde na palestrinha, se contenta em ser rasa, mal explicada e sem sentido. É executada de uma maneira tão pouco verossímil e desinteressante que chegou ao ponto de me dar um desânimo em meio ao filme. Uma chance perdida, escorrendo ralo abaixo da ruindade em face do que poderia ter sido feito.

Por fim, já sem muita paciência, testemunhei o retorno de uma Bella, já amadurecida, para sua casa e para casualmente se defrontar com um ponto que ninguém mais se preocupava: o passado que a levou ao suicídio. E Bella inexplicavelmente se submete a fazer a descoberta de seu passado, do que "ela" (ou sua mãe) era. E acontece que, o "ex-viúvo" da Bella "original" na verdade era um macho escroto. Um militar bruto, burguês ganancioso, ou qualquer coisa enquadrada no pior estereótipo imaginável que pudesse justificar a atitude fatal que ela tomou.

No final Pobres Criaturas fica bem abaixo das possibilidades que desenhava. E é claro que muitos analistas da indústria vital do cinema vão dissertar sobre possíveis camadas subjacentes apresentadas segundo a “escola filosófica blá blá blá", "a sociológica de xyz”. Peço desculpas ao leitor que dedicou preciosos minutos de sua vida na leitura deste texto pela maneira em que colocarei minha refutação que tais leituras subjacentes possam enriquecer Pobres Criaturas(!): imagine que a uma pessoa é dado um chá com uma porção de merda conjuntamente com uma outra porção de um ingrediente premium extremamente raro e saboroso. Ok, você entendeu, não? Essa pessoa daria uma bochechada no chá e, claro, sairia vomitando até a alma, e mesmo depois de ter lavado a boca pela trigésima vez, ainda teria ânsias de vômito. Não adianta, prezado amigo sommelier cinematográfico, ainda que seja um ingrediente raro sob um monte de bosta ele não faz diferença alguma. No final você continua experimentando bosta e o resultado vai ser extremamente desagradável, não há como negar.

Dito isto, daria meus parabéns apenas a Emma Stone por sua bela atuação(!). E adiciono que não recomendaria a ninguém a assistir Pobres Criaturas. Ok, se preferir ignore meu conselho e vá ver o filme por sua conta e risco. Boa sorte, você vai precisar.

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